Luciana
Almeida
Numa
combinação de ingredientes, ele satisfaz mulheres e homens, preenche um dos
vazios da autoestima, estica ainda mais a vaidade. Penetra na pele de sequidão umedecendo-a com aroma embebedor. Esta
capacidade dribla qualquer um, porque as narinas são enfestadas de líquido
hipnótico. Nas ruas ou em ambientes fechados, os
cheiros repercutem com toda energia, que os enlaçam numa engenhosidade de
natureza irregular e mal feita. Logo desaparecem e nada pode comprovar sua
passagem fugaz, esquecida. Sua existência forçada não rima com naturalidade, se
fecha a receitas químicas testadas e estipuladas que, não dura muito, e são
convertidas numa adoração desmedida.
Os
outros perfumes, os esquecidos, acrescentam nova composição ao ar
e atravessam suas contaminadas moléculas purificando-as. Aquele cheiro único da pele que nasce com a gente; aqueles cheiros
pululantes do reino vegetal que se propalam fazendo com que entremos numa dupla
respiração, compensam os vazios rijos e martelados pelo tempo. É certo que os
vazios da mente devem ser preenchidos e desinflamados pelo pensamento. O caminho
seguido nem sempre é esse, mas o inverso.
As
imanências desses aromas vêm da raiz das providências divinas que circunscreve a
imortalidade num lago de simbologias, às vezes ininteligível, e outras
mergulhadas no vácuo da insensibilidade. O degustar do próprio cheiro inato, do
cheiro alheio, sem sentir identidades ilusórias, numa comunhão sublime de
criações jamais imaginadas, está longe de falácias. Mesmo que mudem de endereço,
viajem, ou fiquem escorados em colunas de mármore, vão para outras dimensões, onde
serão alinhados num fluxo ininterrupto e difuso que somente seu magnificente criador
poderá desfazer.
É assim
que tudo caminha, o esboço da variação inevitável do mundo e de tudo que o forma,
mas que a alma trata de guardar os sabores que pelo olfato passaram e que circularam
entre células e tecidos. São inolvidáveis. Inalá-los é conceber as coisas sob
outro modo, que o consciente algumas vezes oculta num molde de abstração fixado
em zonas pouco salientes. E quando suas existências forem cessadas, abrir-se-á
alas para os bem-aventurados, que são capazes de sentir a própria alma, sem
nada esperar da finitude da humanidade. Flutuar na aparência trata-se do
desmanche da unidade maior que somos; aflorar a essência é o modelo de vida que
mais convém no alcance da verdade.
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