quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Sobre o Amor



     Sobre o encontro de duas almas nada há que possa ser dito, feito, explicado. Apenas sentido. E é isso: há os que sentem e os que não. Aos que sentem, devem eles ser afeitos a ouvir e escutar estrelas, tal qual Bilac. Aos que não, devem eles ter seus corações, olhos e ouvidos tão presos a dogmas religiosos, a pensamentos arrogantes e egoístas, a uma discriminação tão insensata que os impede de ver com olhos livres a liberdade de quem não faz por mal, não faz para sair do padrão, simplesmente ama. E amor é amor e pronto. Amor é amor e ponto. Sem traduzir, perguntar, esconder. Amor é ação: verbo e atitude. De graça, cheio de graça, bem-aventurado e bem-vindo, flor que desabrocha em terrenos vários, em solos às vezes precários, mas frutifica! Fruta mordida por Eduardo e Mônica, Eduardo e Eduardo ou Mônica e Mônica. Amor é pássaro solto, sem gaiola que o prenda. Quando deixa de ser, transformou-se em coisa outra ou nunca foi plenamente amor. 
     Os amores arco-íris sofrem como outros quaisquer. Mas amam como quaisquer outros também, ou até mais. Trata-se de cumplicidade, companheirismo, lealdade, honestidade, vontade de viver sem o medo e a repressão, de mostrar a quem quiser ver, porque não há o que mentir, já que, em sendo um em dois, dois em um, a voz que se pronuncia não é a de fora, mas a de dentro. É aquele impulso magnético que diz “vamos brincar de olhar as nuvens e tentar adivinhar com o que se parecem”, pois brincar do que quer que seja com quem se ama, nunca é pura e simplesmente um brincar: é ser quem quer ser, sem máscaras, sem os labirintos internos que mantêm em sua frente a placa “Proibido o acesso de pessoas estranhas a este local”. Olhar o céu para contar estrelas, admirar a lua (ah, a lua dos apaixonados!), ver o rastro que o avião deixa, tudo isso é um presente (um bobo mas significativo presente) que somente quem tem coragem encontra tempo para abri-lo. 
     Amores coloridos são reais. Estão aos montes por aí, talvez saindo à noite, quando o lado obscuro do dia permite o caminhar a dois, de mãos dadas, em ruas desertas, até que alguém lance um olhar de repulsa ou um xingamento qualquer. Para tais olhares, o sorriso mais inocente, porque eles veem, mas jamais compreendem que amor não é relação um-a-um na diferença de sexo; é dois-em-um, não importa idade, raça, religião ou... sexo! É ser e estar (como o verbo To Be, do inglês) em alguém, quando as comportas da alma se abrem e é possível repousar silenciosamente na alma de outra pessoa, tendo-se a impressão de que, em meio ao nada do que foi dito, mesmo assim tudo foi falado, pronunciado, sentido. E dura toda a eternidade, só para começar. Caminhar de mãos dadas é abrir caminhos para o caminho que seria duplo, mas se tornou uno à medida que dois, unidos, possuem a força que tudo enfrenta, seja a floresta mais densa ou a guerra com o mais potente arsenal. Apontem as armas como apontam os dedos e verão que, em meio à crítica e ao desprezo, nasce a flor que embeleza o solo da ignorância que é, tantas vezes, adubado com o discurso de ódio e desconhecimento contra quem só quer amar. Menos armas químicas e mais poemas, por favor. Construa seus tabus e suas tábuas e se crucifique neles, sociedade hipócrita! 
     Amores assim muito interessam a quem interesse tiver. Eles viram casos de novela, romance, música. Estão em raios de sol que atingem a todos, tão democraticamente quanto a chuva. Mas também estão trancafiados em mínimas caixas de segredo, trancados a chave cuja chave se perdeu nos intestinos do tempo. A eles, lancem-se a prece e o incentivo, ao invés da injúria e do lamento, os bodes expiatórios já podem ser outros, afinal e amém. Até parece que não entendem que amor que é amor junta as escovas de dente e de cabelo, mas também os livros, os cds, os travesseiros, os roncos, os passados e os sonhos, porque o amor já juntou os corações. Nas promessas feitas – e quantas promessas feitas! –, fica guardado o desejo de que dias possa haver para que mais e mais promessas se tornem realidade e não se dissipem no ar. Colorir o amor com tinta sangue e suor, viver em função de dias sempre brancos, enluarados, mesmo quando faltar a luz da felicidade mais eletrizante; olhar nos olhos quando os momentos (todos eles) requererem a visão mais profunda, que trespassa e ultrapassa, sem nunca trapacear, trair ou trucidar...
     A água e o fogo, assim como a escuridão e os obstáculos, podem extinguir tudo, mas não põem fim ao que mais importa: o Amor. Eis o resumo da paciência, da dedicação, da simplicidade, do carinho, da união, do vínculo que se cria, se gera, mas não perece. Amor quando é amor não escolhe homem, mulher ou andrógino; gato, cachorro, periquito ou papagaio. Chega devastando tudo e construindo algo em volta. Dos destroços que havia ergue-se um templo cujo centro é pulsante e imortal, reluzente mais que ouro de aliança. Trata-se da relíquia do relicário mais inviolável, que resiste aos barulhos exteriores e aos impulsos interiores, aos bagulhos amontoados e aos instintos mais insanos, e cresce e alcança dimensões que mares nenhuns que tenham já sido navegados são tão atlânticos, tão índicos ou tão pacíficos que possam ser usados como comparação, desenho, bússola ou relógio. Amores coloridos são férteis, são banais, são amor: e reclamam ser apenas o que são: Amor. E querem apenas ser o que são: tesouro maior para humanos humanizados. 
     Corações vazios e incolores se reconhecem. Talvez por estar um à procura do outro a fim de se tornarem dois que batem como um, tal qual sino que retumba por dois. Corações que passam a brilhar com tamanha intensidade que é capaz de cegar a quem o olhe sem o enxergar, sem o compreender. Haja sensibilidade para degustar fruta madura como essa, amor que se colhe ao pé do abismo! Aplausos pelo que sentem no fundo mistério do sentir, ou pelo que já sentiam antes de sentir e que somente se ampliou após dar luz ao sentimento da igualdade. A identidade dos amantes pouco importa (não, não importa), pois não influencia em nada que seja amor. Agora e sempre, o que realmente se tem em vista é não ter em vista o final, o fluxo do tempo, porque amor que é amor tem tamanho que olhos comuns não abarcam, proporção a se perder de vista... e nada do que se diga lhe diminui nem explica. Amor, amor mesmo, não é como o vento ou o tempo: não passa.

     Amor é amor e pronto. Amor é amor e ponto. Ponto e pronto.