Luciana
Almeida
Fui
criada com todos os mimos existentes. Era uma criança séria, porém travessa. A
casa estava sempre cheia, com os alunos da minha mãe, que traziam biscoitos “copa
do mundo” para descontrair os horários de estudo. Eu vivia cercada de gente,
quando não sentia o calor da minha mãe, logo as vizinhas me intimavam para as
brincadeiras perigosas no elástico. O instinto da teimosia era incisivo e eu
sequer analisava as consequências.
Nasci
com um diminuto e notório desvio no joelho. Olhava não só as garotas da minha
idade, mas todos em volta, e percebia que havia algo errado com as minhas
pernas. Não sabia como conseguir respostas para esse incômodo, a princípio,
estético. Às vezes, meu pai dizia: “Essa é a minha cópia fiel, até as minhas
pernas cambaias ela tem”. Mesmo assim, não conseguia entender o fato de a
teoria da herança biológica ter ocorrido comigo. Era imatura demais para
entender. E, certas coisas, somente o tempo é o grande professor das nossas
incompreensões. O fato era que eu não podia me arriscar em brincadeiras
perigosas que fossem um veneno para a coordenação motora dos meus membros
inferiores. Desta precaução, contudo, só tive consciência na maioridade. Fui
crescendo e a abertura do joelho, a qual não sabia denominar, foi crescendo e
ganhando contornos viscerais acompanhados de preconceitos.
Certo
dia, estava na escola, cursando a 8ª série, quando, de repente, um primo meu
juntamente com alguns de seus amigos chamaram-me de “perna de alicate”. A
ofensa e a tristeza foram tão desestabilizadoras que o raciocínio mal teve
tempo de ser encravado. A lágrima desceu imediatamente. Foi um dia de tristes
reflexões e incompreensões, sem contar que naquela época, passava por algumas peripécias
nada agradáveis com as quais vida andava me presenteando. Tudo o que sentia
transparecia apenas em meus pensamentos. Acumulava e guardava. Quando queria
desabafar, o choro era o meu melhor amigo, aliviava minhas tensões de tal forma
que pensava de ninguém poder suprir essa agonia interior.
Quando
fiz 17 anos, o problema deixou de ser estético e passou a ser uma coroa de
espinhos que se enraizava cada vez mais nas minhas articulações. As caminhadas
careciam de ser rápidas e, se assim não fossem, a penitência dolorosa emanava.
Um dos momentos mais sofridos para meus joelhos era quando ia à missa; o padre pedia
que todos se ajoelhassem, e eu me apoiava seguramente em todos os pedaços de
madeira que compunham o banco dos cristãos. Pensava no vexame que podia dar se,
por acaso, me desequilibrasse e caísse. Para levantar, o processo era ainda
mais complicado: os joelhos pareciam estar colados na madeira, estralavam e, ao
sentar, eu sempre me deparava com a vermelhidão que ficara ali, assemelhada ao
castigo do milho que a cultura tradicional escolar impunha aos alunos diante de
algum mal feito.
Fui
percebendo, contudo, que o que o ser humano precisa buscar na vida é a coragem
para enfrentar as dificuldades. Esse é o princípio renovador da vida que
direciona a um aprimoramento interior. E tudo isso se combina avidamente com a
disciplina, percepção, fé. Deus somente dá as dores, o sofrimento, a quem é
capaz de suportá-los. Isso é motivo de orgulho. Absolutamente tudo na vida
passa, e Deus é o intermediador das transformações, ele “muda
os tempos e as estações; ele remove os reis e estabelece os reis; ele dá
sabedoria aos sábios e conhecimento aos entendidos”- Daniel 2:21 .
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[1] Crônica inspirada no
filme Forrest Gump dirigido por Robert Zemeckis.