Luciana
Almeida
Sentada
numa cadeira de balanço, lembrei-me das diabruras que cometi quando criança.
Lembrei-me, por exemplo, que quando tinha 7 anos, num ato de alegria e
inocência, quebrei uma vasilha de cristal datada de aproximadamente dois
séculos. Era uma relíquia, pertenceu ao meu bisavô que a adquiriu numa viagem
de negócios ao Oriente Médio. Lembro da tia ao caminhar lentamente em direção
ao seu quarto, naquela casa antiga e estreita, carregando consigo um vestido
passado e pendurado num cabide. Nesse momento, as batidas palpitavam
desenfreadamente, pois para chegar ao quarto teria que passar pela sala. Em
linha reta caminhava, parecia que não iria notar. Quando, finalmente, estava
prestes a concluir o caminho da sala, sentiu que pisou em algo. Era um caco de
vidro.
Eu, virada de costas, fingindo que a TV
ocupava a minha atenção ouvi-a dizer: - Mas o que é isso? Continuei a olhar a
TV. Ela prosseguia: - O que quebraram aqui? Em seguida, fitou a mesinha onde
punha a vasilha e percebeu o espaço vago. Isso soou como um convite para não
entregar a infeliz criatura que quebrara o objeto de cristal. As pernas
trêmulas, os suores na tez ingênua e dissimulada denunciavam-me. Busquei
palavras e não encontrei, nem a sensação que tomava conta de mim poderia aqui
descrever. Mas pensei no quão maravilhoso é não sentir culpa, maravilha é ser
como uma pluma, leve e aliviada. A situação ficava cada vez mais tensa, os
gritos poderiam ressoar a qualquer segundo e serem esticados por horas.
Minha
presença era a minha principal rival. Só havia eu por ali. Não tardou o
esperado e a Tia Eulália disse num tom grosseiro: - Foi você quem fez isso? Não
sei onde vou parar com tantos prejuízos nessa vida minha! Continuei a ficar
calada, tentando encontrar alguma maneira de desdizer tudo. Não consegui.
Criança não abriga mentiras por muito tempo. Já sem suportar tamanha pressão,
entreguei-me: - Fui eu tia, estava brincando e a boneca voou e bateu na sua “vasia”.
Desculpa. Nenhuma palavra a fazia esquecer dos destroços espalhados ao chão, o
apego por aquele objeto parecia ser maior do que a capacidade de compreender as
travessuras involuntárias vindas de uma criança. Eram só 7 anos! A tia não
gostava de castigar seus sobrinhos, deixava esse encargo com os pais que, para
ela, sabiam aplicar melhor o corretivo necessário, ao invés de uma senhora
idosa debilitada em algumas de suas coordenações motoras. Como recompensa por
tal favor, minha tia contou para a mamãe, que contou para o papai. Preço pago,
castigo consumado.
Nesse
instante matutei sobre o que seria mais vago: aquele diminuto espaço que
poderia ser substituído por tantos outros enfeites que a tia colecionava ou sua
raiva e desespero por alguém que estraçalhou um simples e insignificante
objeto. Ignoro os apegos. Desprezo-os. Prefiro os atributos abstratos da vida, os
valores de glória. E, hoje, me pego contemplando essa breve reminiscência, voltando
o meu olhar para esse passado onde muitos dos sentidos da vida eram banhados
pela matéria. Talvez não seja só um passado. Não, não é.