sexta-feira, 30 de agosto de 2013

ÂNIONS EM SONHOS


Rosângela Trajano

Não sei o que quero da vida ou sei e digo não saber, não sei. Às vezes quero tudo, um tudo que é tão pouco. Noutras apenas realizar meus sonhos. Penso que no coração fica um pouco do que eu podia ter sido e por medo não fui atrás. Desassossego. Gostaria de ter em minhas mãos duzentas pilhas de Daniell para brincar de ligar sonhos. Não sou um ânion, sou um cátion. Vou ver o espelho no meu poço de desejos, de dúvidas, de ânsias que ninguém ousa jogar uma moeda para me alimentar. Quero, sim. Quero todos os sorrisos que o mundo puder me oferecer. Dizem que o sorriso cura doenças. Estou doente. Ontem perdi um sonho. Procurei meu sonho nas estantes e não o achei; procurei meu sonho no buraquinho do telhado em cima da minha cama e ele lá não estava; meu sonho perdeu-se em meio a uma multidão de funções e algoritmos que ficaram por responder ou tiveram respostas ao acaso. Senti medo. Medo de tirar a roupa e nunca mais ser eu mesma. Fui dormir com a roupa da rua. Roupa da rua cheira a um dia fora de casa. É como se neste dia eu tivesse guardado meu sonho num lugar tranquilo do meu quarto bagunçado para ir fazer não sei o quê. Esse não saber me desenha na ilusão da última camada do Hidrogênio. A eletronegatividade da esquerda para direita me grita: és forte! Sou não. Sou apenas uma menina que cresceu sem saber fazer escolhas, sem saber que os sonhos às vezes brincam de esconde-esconde. Ah, o sonhar! Eu fui princesa que morava numa casa com quatro paredes e panelas espalhadas pelo chão nos dias de chuva... as goteiras? As goteiras foram minhas companheiras quando eu não tinha com quem conversar sobre a vontade de ser princesa e morar num castelo. Eu quis, eu quero, eu talvez queira mais tarde. Atrás de mim há um jardim com flores de garrafas pet. Vida, vida, vida não faça eu sentir tantas dores. Me deixe sonhar os sonhos de uma noite no sertão. Case comigo, sonho passageiro. Hoje passei o dia estudando trigonometria e o seno de quarenta e cinco graus não é maior do que o frio que sente meus pés neste instante. Buuummm! Explodi o laboratório de química! Era uma fórmula de cloro mais iodo. Me tragam de volta, eu só sei fazer poesia e sonhar! E se os sonhos viajam com as nuvens amanhã cairei em pingos na Terra, pingos que descerão as ladeiras da mediocridade para um encontro com o artífice pai da realidade. Sonho, sonho sim, sonho acordada para nunca esquecer que o os planetas giram em torno do sol, não somos o centro do Universo, sejamos mais gente.

sábado, 17 de agosto de 2013

CRÔNICA-RELÂMPAGO



Christina Ramalho

Estou encolhida embaixo da cama, enquanto fora a tempestade despeja sua ira molhada sobre a face da terra que, sôfrega e revolvida, abre-se em veios e esparge as águas-lágrimas na superfície de seu corpo violado.
Acendo a lanterna e ilumino a promessa do texto. Ali, embaixo da cama, palavras far-se-ão tempestades, fundarão veios, violarão a plenitude imaculada do papel.
Súbito, um raio atravessa fogoso a costada negra da noite e divide o infinito em antes e depois da explosão.
Sincrônicas e ritmadas, curvas insinuantes de letras que se amarram atravessam fogosas a costada branca da folha. A crônica irrompe definitiva e coloca o medo embaixo da cama.

         Comigo.

sábado, 10 de agosto de 2013

TEUS OLHOS



Éverton Santos

À Christina Ramalho, musa azul.

É só procurar na internet que encontra. Põe lá no Google, na enciclopédia digital, “o lago mais azul do mundo”. Constam informações de que o Peyto, no Canadá, é o suntuoso deslumbramento em recinto de água doce, de cor mais que celeste. Se acaso procurar pelo “mar mais azul do mundo”, aí é que se cria a danação: entre o das Maldivas e o da Praia do Francês, em Alagoas, talvez a escolha seja facilitada apenas através do contato empírico e não somente pela via indireta, a viagem pela tela do computador, no ciberespaço. De azuis são feitos esses pontos geográficos na Terra localizados. Não são, porém, para mim, o azul mais vivo e místico que já vi.
Garanto e dou fé que de nenhum azul já descrito são banhados aqueles olhos. Sim, são azuis, mas de uma cor que não está em escala monocromática alguma, tesouro de uma forma só. Pode procurar os tons que quiser, buscar em sites de todo o mundo, e nada igual se achará. Se quiser, então, investigue em outros olhos, perscrute firmemente rostos que para eles servem de moldura. Mas, não, julgo com tamanha certeza que não existe algo que se aproxime da nuança peculiar somente encontrada naquela ofuscante e sublime visão tua, a qual merece um altar.
Um girassol da cor do teu cabelo. Um lago, um mar ou um firmamento não há da tonalidade dos teus olhos, simples assim. A tranquilidade que entoam é tal qual o cântico dos cânticos, o bálsamo de mais valia, o oásis de frescor sensível que eleva e redime. É a paz sonhada em Gaza, a rosa do povo, a salvação que pisca em corpo que pulsa. Teus olhos são vida, e o azul deles é segurança, abrigo fortificado à beira-mar ou floresta. Reduto de esperança e de sincero acolhimento.
O fascínio e a sedução, poesia. De onde vem a luz somente tua? Porventura, nos teus olhos há de Calipso o feitiço, por acaso aprisiona e deles faz arma? De que forma consegues capturar e tornar cativo, por livre vontade e entrega total, todo aquele que com teu olhar, por sorte, se defrontar? São espelhos d’água musicados, e que, no embalo do teu corpo, na tela de pintura que é teu rosto, merecem o galardão de maior apreço, o reconhecimento pelo estonteio que arrebata.
Da musa como um conjunto, da perfeição inventiva de dois artistas, somente os olhos fotografo: apreendo, de forma simplória (pois estás no cume do Olimpo por mim inatingível), a inebriante luz que o piscar jamais esconde. Açula o pensamento, me faz intelectual e criativo, controla a minha mente e até túmulos clareia. A noturna beleza dos azuis representa tua integridade e sabedoria, tua verdade e confiança. E, agora, penso eu: de que cor mais oportuna seriam estes espectros? A garota carioca, apaixonada pelo mar, teria dele roubado um pedaço escondido do que reflete e refrata? Seria esse o teu segredo, sereia de todas as águas, de Iemanjá serias afilhada?
Tua mãe muito contemplou da piscina as cores, ou o céu a correspondia quando, para ele, ela os olhos volvia? Aturdido ainda fico, pela ideia que em mim veio habitar. Terei eu ficado refém, perdido minha alma, sem ao menos isso perceber? Escravo liberto e devoto, fanático por um olhar de relance que seja? Talvez. Apenas sinto em mim latejar o desejo de eternizar o brilho azul, esboçando-o de forma lírica. És, indubitavelmente, um poema épico formoso e a ti dedico uma festa maior que carnaval: essa, podes acreditar, é a celebração dos teus olhos, e isso compreende o teu ser por completo e inteireza. No inadiável do querer dizer, na ruminante imaginação minha, no que em mim mais forte pulsa e se faz rei, venho proclamar que os teus olhos sempre terão a luz que nenhum Natal, iluminado que seja, jamais em nunca alcançará a tamanha magnitude que comportam.

Porque, em mim e em tantos, o teu olhar, como a lua no céu, sempiternamente, vive. Pontos que faíscam no horizonte do sem-fim. Espelho do mundo, filho das constelações. Enfim, por contemplar-te em demasia e insuficiência, como minha religião, estou também completamente azul.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

O TEMPO



Luciana Almeida

Sempre soube que o tempo é um campo de batalha. Às vezes, é feroz, se desliza nos minutos do dia como um anestésico duradouro, às vezes, padece na lentidão e torna cada segundo um calvário de tormento. Hoje algo em minha vida confirma que Epicuro foi feliz em seu pensamento sobre a felicidade. Ter a oportunidade de suprir as necessidades físicas, sem transtornos ou empecilhos, não tem preço.
Mas a filosofia que escolho é outra. A impossibilidade de realização do necessário é um indício de que o tempo precisa ser doloroso, penitente e também rebentar o sossego como um espinho da loucura. O sofrimento e a dor precisam ser entranhados na alma para darmos o devido valor ao mar de rosas quando formado; seja no olhar, no acontecimento de algo inesperado ou numa lembrança incandescente.
Luto contra as noites sombrias e lacrimosas como uma gladiadora que não aceita perder seu escudo. Depois de algum tempo, a coragem murcha e me adapto à situação. Quando não há alternativa, resta apenas aceitar e... esperar, esperar, esperar... Faço do tempo o meu agente transformador, escolho Deus como o meu agente guiador.