sexta-feira, 12 de abril de 2013

CRÔNICA DA INFÂNCIA VELHA



João Paulo

Quando eu era pequeno gostava de ir à casa da minha avó para brincar, comer doces (muitos doces!) e, sobretudo, ouvi-la contar as histórias do tempo dela. “No meu tempo, as coisas eram diferentes; tudo era mais difícil”, defendia ela. Nem por isso, contudo, ela deixou de brincar, de ser uma criança igual às outras. Contou-me certa vez que castanhas eram um numeroso rebanho que possuía, e as organizava em fileiras, pois gostava da ordem. As maiores eram as mais bem nutridas, negociadas no mercado com a prima; as mais magras eram tratadas de forma especial “para agradar”.
De outra vez me falou sobre a perseguição de João Valentim, famoso lobisomem do sertão sergipano. Nesse caso estava ela visitando uma comadre. Como não havia carro, a viagem se dava a pé. Ocorreu, então, que desde a sua saída com meu tio de casa sentiu-se vigiada, acompanhada por um estranho gato grande, felpudo, gordo, ligeiro nos passos, com unhas grandes e afiadas. O olhar desse felino a intrigava a ponto de ela sentir-se constrangida com sua presença. Tentou, pois, despistá-lo acelerando o caminhar; por fim, numa atitude extrema, chutou-o violentamente. O animal cambaleou, caiu, mas depois se ergueu, pondo-se insistentemente a segui-los novamente. No outro dia, ao encontrar-se com João Valentim, o sujeito de unhas grandes, soube que este estava a protegendo dos “perigos da estrada”. Que história bela! pensei eu. Vovó não era de me contar mentiras... Nãos seria capaz: era uma pessoa séria. Essa narrativa ficou na minha cabaça durante muito tempo, uma vez que fiquei deslumbrado pela fantasia. 
Depois que fui crescendo, comecei a sair de casa, ir a festas, baladas, namorar, e as visitas à vovó ficaram chatas, e suas histórias, sem graça. Agora lembranças de um tempo longínquo me eram infantis, surreais, ilógicas e cansativas.
Um dia reveria algumas fotos minhas quando pequeno e acharia uma foto do meu neto mais velho. Ele escutará minhas histórias com a mesma atenção que dei à vovó quando eu já era adolescente? Na verdade acho que preferirá a agradável companhia de centenas de milhares de amigos virtuais que jamais virão pessoalmente para confirmar suas existências. As histórias prediletas dele serão os seriados importados via TV a cabo dos norte-americanos...


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