terça-feira, 28 de maio de 2013

UMA VIRTUDE



Luciana Almeida

Fui criada com todos os mimos existentes. Era uma criança séria, porém travessa. A casa estava sempre cheia, com os alunos da minha mãe, que traziam biscoitos “copa do mundo” para descontrair os horários de estudo. Eu vivia cercada de gente, quando não sentia o calor da minha mãe, logo as vizinhas me intimavam para as brincadeiras perigosas no elástico. O instinto da teimosia era incisivo e eu sequer analisava as consequências.
Nasci com um diminuto e notório desvio no joelho. Olhava não só as garotas da minha idade, mas todos em volta, e percebia que havia algo errado com as minhas pernas. Não sabia como conseguir respostas para esse incômodo, a princípio, estético. Às vezes, meu pai dizia: “Essa é a minha cópia fiel, até as minhas pernas cambaias ela tem”. Mesmo assim, não conseguia entender o fato de a teoria da herança biológica ter ocorrido comigo. Era imatura demais para entender. E, certas coisas, somente o tempo é o grande professor das nossas incompreensões. O fato era que eu não podia me arriscar em brincadeiras perigosas que fossem um veneno para a coordenação motora dos meus membros inferiores. Desta precaução, contudo, só tive consciência na maioridade. Fui crescendo e a abertura do joelho, a qual não sabia denominar, foi crescendo e ganhando contornos viscerais acompanhados de preconceitos.
Certo dia, estava na escola, cursando a 8ª série, quando, de repente, um primo meu juntamente com alguns de seus amigos chamaram-me de “perna de alicate”. A ofensa e a tristeza foram tão desestabilizadoras que o raciocínio mal teve tempo de ser encravado. A lágrima desceu imediatamente. Foi um dia de tristes reflexões e incompreensões, sem contar que naquela época, passava por algumas peripécias nada agradáveis com as quais vida andava me presenteando. Tudo o que sentia transparecia apenas em meus pensamentos. Acumulava e guardava. Quando queria desabafar, o choro era o meu melhor amigo, aliviava minhas tensões de tal forma que pensava de ninguém poder suprir essa agonia interior.
Quando fiz 17 anos, o problema deixou de ser estético e passou a ser uma coroa de espinhos que se enraizava cada vez mais nas minhas articulações. As caminhadas careciam de ser rápidas e, se assim não fossem, a penitência dolorosa emanava. Um dos momentos mais sofridos para meus joelhos era quando ia à missa; o padre pedia que todos se ajoelhassem, e eu me apoiava seguramente em todos os pedaços de madeira que compunham o banco dos cristãos. Pensava no vexame que podia dar se, por acaso, me desequilibrasse e caísse. Para levantar, o processo era ainda mais complicado: os joelhos pareciam estar colados na madeira, estralavam e, ao sentar, eu sempre me deparava com a vermelhidão que ficara ali, assemelhada ao castigo do milho que a cultura tradicional escolar impunha aos alunos diante de algum mal feito.
Fui percebendo, contudo, que o que o ser humano precisa buscar na vida é a coragem para enfrentar as dificuldades. Esse é o princípio renovador da vida que direciona a um aprimoramento interior. E tudo isso se combina avidamente com a disciplina, percepção, fé. Deus somente dá as dores, o sofrimento, a quem é capaz de suportá-los. Isso é motivo de orgulho. Absolutamente tudo na vida passa, e Deus é o intermediador das transformações, ele “muda os tempos e as estações; ele remove os reis e estabelece os reis; ele dá sabedoria aos sábios e conhecimento aos entendidos”- Daniel 2:21 .




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[1] Crônica inspirada no filme Forrest Gump dirigido por Robert Zemeckis.

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