sexta-feira, 1 de novembro de 2013

SENTIMENTOS CIBERESPACIAIS


Éverton Santos

Em tempos de ciberespaço, o “kkk”, o “rsrs”, o “hahaha” ou o “shashashahshash” substituem o verdadeiro riso por uma forma artificial de prazer e de descontração. Com a ajuda dos muitos emoticons - desenhos capazes de sintetizar e reproduzir o estado de espírito -, a tarefa fica ainda mais fácil, porque é simplesmente colocar uma cara feliz, sorridente, ainda que isso não reflita, literalmente, o comportamento e o ânimo daquele que o usa.
Do mesmo modo acontece quando a emoção é o choro. Posso dizer que você me fez chorar só pra fazer com que se enterneça e se sinta mal, como se isso fosse capaz de criar uma conexão, através da compaixão forçada. Você, do outro lado da telinha, não terá como comprovar - a menos que tenha uma webcam ligada! - se estou me derramando em prantos soluçantes. Chega-se à conclusão de que as lágrimas não precisam mais ser o líquido salgado produzido pelos olhos. Basta simplesmente representá-las, desenhá-las numa face deprimida e pronto: estou chorando.
E quem quiser que prove o contrário.
No caso da amizade e dos vínculos afetivos, a coisa se torna mais complexa. Cativar alguém, torná-la próxima, isso é algo que deve levar tempo. E eu disse “deve”. Ser cordial é fácil, até mesmo um psicopata ou um sociopata conseguem ser. Esbanjar simpatia e posar de “bom moço” são papéis que não é preciso ser ator para poder representá-los com perfeição. Logo, ter os sentidos atentos nunca é demais. Ser cauteloso ainda continua sendo uma forma eficaz de não ser enganado.
Na verdade, parece que a carência afetiva é a causadora de tudo. Basta ser carinhoso, ter um bom papo, dar atenção e demonstrar interesse: são estes alguns ingredientes para uma “amizade virtual” bem sucedida. Acrescente-se a isso o contato contínuo, a compreensão, o bom humor... Tais atributos são valorizados dentro e fora do ciberespaço, mas parece que, na era digital, sai na frente quem convence pela imagem construída por intermédio da internet.
Uma vez, uma prima me disse que as pessoas das redes sociais dela eram mais legais que as da vida real. Apenas pelo contraste entre o mundo “fictício” e o “real”, já me interessei pelo assunto. São quase que completamente diferentes. Isso porque, nos sites de relacionamento, posso ser quem eu quiser, posso montar perfis à vontade, além de estar ao meu alcance nunca evidenciar os maiores defeitos da minha personalidade. Sem contar que é bem mais legal uma conversa cara a cara, um abraço corpo a corpo, um passeio que não se limita a abrir e a fechar páginas da web. Foram estes os meus argumentos para mostrar à minha prima que eu - que, de fato, existia - tinha o potencial que todos os amigos virtuais juntos não conseguiriam ter: eu tinha - e continuo tendo - uma existência concreta, e não encarcerada em quadrados digitais.
 Sim, a internet revolucionou o mundo; sim, é possível manter contato com pessoas que estão há milhares de quilômetros; sim, há quem tenha encontrado o best friend forever ou o amor da vida utilizando esse meio de comunicação cuja importância, incontestável, pode levar a crer que, se fosse suprimido, a humanidade, talvez, não conseguisse mais progredir. Mas não é sobre isso que estou falando. Não é uma questão de importância, mas sim de ser quem se é.
Estão em pauta os sentimentos: o riso saudável e vivo; o choro que escorre pela face; a amizade como laço indissociável capaz de durar anos infindos; o amor puro, que cresce através do convívio, das descobertas diárias. Isso, como diz a propaganda, não tem preço.
Eis a era do medo e da desconfiança. Eis o tempo em que parece fácil manipular os outros simplesmente fingindo ser aquilo que nunca se pretendeu ser ou fingindo sentir o que nunca sentiu. Como consequência, é tempo de escancarar as portas dos olhos e perceber que muitos são os que podem conhecer o seu nome, mas poucos, o seu sobrenome. Ser solícito e amigável não significa excluir ninguém. Mas deve significar ser seletivo. Deve significar estar atento.

Humildade sempre; ser verdadeiro... também.

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