Luciana Almeida
O calor
fervoroso impede o contato dos pés e o solo árido, pobre, sem uma gota d’água
para ao menos umedecer a visão encoberta pelo redemoinho cálido de areia. A
seca já se faz tão perene que amortalhou o instinto dos equinos, agora
raquíticos, de tanto queimar calorias na busca do comer e do beber com seu
galope agora pifado. A família que morava à beira da plantação de mandacaru
tinha sua quietude consolada pelo fio da esperança que residia num outro mundo.
Este é um mundo, o da seca, separado dos outros, porque mundos existem vários.
Uns são prazerosos, outros infernais. É por isso que muito falam sobre os
infernos, eles são a última chamada da morte, uma irrupção sem voltas. À noite
do sertão não tinha lua nem estrelas e, como a chegada do crepúsculo amenizava insignificativamente
a temperatura, tinha-se dificuldade para acender o candeeiro, mas logo o
inferno voltava devido ao calor que tirava férias por alguns míseros segundos.
E, finalmente, a chama era incrustada firme e forte, capaz de transformar o
sonho da pouca frescura num tenebroso pesadelo que ciciava nas folhas caídas na
terra de ácido sulfúrico.
Essa
realidade parece não ter a menor importância; mudam-se os governos, mas não o
descaso. Criar uma legislação infraconstitucional não adianta, pois se o que
ali já está há muito preconizado, porém esquecido na prática, que dirá algo
novo e tão esquecido? Talvez esse senso de incômodo desperte vez ou outra, uma
vontade de sossegar o espírito engajado, deixá-lo morrer, assim como os equinos
que cessam sua busca sem expectativas. Porém, os poderosos também são áridos,
vazios. Mais áridos que qualquer pedaço de terra desnutrido.
Muito
temos a invejar dos europeus, uma terra fria, onde a chuva ou neve não tarda e está
quase sempre preparada para a plantação. Aqui, em terras brasileiras, a seca do
sertão é a dor que mais verruma, dor localizada nas casas de palafita onde só
existe areia para respirar. O dia é sempre o mesmo, as famílias voltam sempre
com a esperança frustrada da gota d’água não presenteada pelas nuvens. Anoitece
devagarzinho. Como de praxe, a palma é cortada e torrada numas gotinhas de
óleo. Não há muito que fazer. O procedimento é simples. Após três ou quatro
minutos a janta fica pronta. Cada um com o seu garfo são alimentados ali mesmo,
sem pratos e formalidades, no fogão de lenha que faz do calor uma ebulição.
Todos sempre calados. É momento de reflexão e os dias se repetem na monotonia e
decadência.
Muito
devagar, mas com intensidade, o nosso cérebro vai assimilando o peso de tanta
miséria que atravessa os tempos e inserem-se em incontáveis volumes. Ceguemos
os olhos, afastemos a razão e a emoção, entremos, enfim, no amargor do mundo. O
inferno continua, até quando, não se sabe.
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