sexta-feira, 22 de março de 2013

ARIDEZ BRASILEIRA



Luciana Almeida

O calor fervoroso impede o contato dos pés e o solo árido, pobre, sem uma gota d’água para ao menos umedecer a visão encoberta pelo redemoinho cálido de areia. A seca já se faz tão perene que amortalhou o instinto dos equinos, agora raquíticos, de tanto queimar calorias na busca do comer e do beber com seu galope agora pifado. A família que morava à beira da plantação de mandacaru tinha sua quietude consolada pelo fio da esperança que residia num outro mundo. Este é um mundo, o da seca, separado dos outros, porque mundos existem vários. Uns são prazerosos, outros infernais. É por isso que muito falam sobre os infernos, eles são a última chamada da morte, uma irrupção sem voltas. À noite do sertão não tinha lua nem estrelas e, como a chegada do crepúsculo amenizava insignificativamente a temperatura, tinha-se dificuldade para acender o candeeiro, mas logo o inferno voltava devido ao calor que tirava férias por alguns míseros segundos. E, finalmente, a chama era incrustada firme e forte, capaz de transformar o sonho da pouca frescura num tenebroso pesadelo que ciciava nas folhas caídas na terra de ácido sulfúrico.
Essa realidade parece não ter a menor importância; mudam-se os governos, mas não o descaso. Criar uma legislação infraconstitucional não adianta, pois se o que ali já está há muito preconizado, porém esquecido na prática, que dirá algo novo e tão esquecido? Talvez esse senso de incômodo desperte vez ou outra, uma vontade de sossegar o espírito engajado, deixá-lo morrer, assim como os equinos que cessam sua busca sem expectativas. Porém, os poderosos também são áridos, vazios. Mais áridos que qualquer pedaço de terra desnutrido.
Muito temos a invejar dos europeus, uma terra fria, onde a chuva ou neve não tarda e está quase sempre preparada para a plantação. Aqui, em terras brasileiras, a seca do sertão é a dor que mais verruma, dor localizada nas casas de palafita onde só existe areia para respirar. O dia é sempre o mesmo, as famílias voltam sempre com a esperança frustrada da gota d’água não presenteada pelas nuvens. Anoitece devagarzinho. Como de praxe, a palma é cortada e torrada numas gotinhas de óleo. Não há muito que fazer. O procedimento é simples. Após três ou quatro minutos a janta fica pronta. Cada um com o seu garfo são alimentados ali mesmo, sem pratos e formalidades, no fogão de lenha que faz do calor uma ebulição. Todos sempre calados. É momento de reflexão e os dias se repetem na monotonia e decadência.
Muito devagar, mas com intensidade, o nosso cérebro vai assimilando o peso de tanta miséria que atravessa os tempos e inserem-se em incontáveis volumes. Ceguemos os olhos, afastemos a razão e a emoção, entremos, enfim, no amargor do mundo. O inferno continua, até quando, não se sabe.

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